sábado, 6 de dezembro de 2014

The Guardian versus João Luiz

Dos legados que meu avô paterno, a quem eu não conheci, me deixou, dois convivem comigo, cotidianamente. Um deles foi a inspiração à hora de nomear meu filho. João Luiz é o nome de ambos. O segundo, a lapidar frase: “O homem tem que mudar, nem que seja para pior” dizia o pernambucano João Luiz. Dia desses, o jornal inglês The Guardian resolveu contrariar o velho João. Eles publicaram uma matéria dizendo que, segundo uma pesquisa, substituir um lar por outro é um dos eventos mais estressantes da vida adulta. E mais, descobriram que mudanças freqüentes não só chateiam as crianças como também produzem efeitos negativos a longo prazo para a família inteira. E vão ainda mais fundo, dizendo que as pessoas que se mudam com freqüência fumam mais, bebem mais, tem piores resultados na escola e no trabalho, tem pior satisfação na vida, maior dificuldade de fazer amigos, maior probabilidade de morrer jovem e, ufa, maior tendência ao suicídio.
Eu fui ler essa matéria justamente quando a minha casa, cheia de caixas e pacotes, está prestes a virar ex-casa. Sim. Hoje, sábado, dia 10, enquanto você lê essa coluna, no aconchego do seu conhecido lar, eu estou me estressando com a minha décima sexta mudança, nesses meus mutantes 37 anos. Porém, o João Luiz filho, em sua sexta mudança, parece não estar nenhum pouco estressado. Pelo contrário, ri aos borbotões, pulando de caixa em caixa, desarrumando o que levamos horas para organizar. Minha mulher, em sua modesta décima terceira mudança, é a única que comprova a tese publicada pelo The Guardian. Duas semanas antes da mudança, e, muito provavelmente, pelas duas próximas semanas na casa nova, é melhor não perguntar a ela onde estão minhas meias azuis com listras vermelhas.
Das conseqüências todas apontadas na matéria, devo confessar que sinto algumas. Ando fumando demais e tendo amigos de menos. (Bem feito, Benedito. Quem manda falar mal dos outros!) Epa. Eu ouvi isso, hein!
Enquanto o The Gardian contraria meu avô, Clarice Lispector contraria o The Guardian. “Mude” diz ela. “Sente-se em outra cadeira, no outro lado da mesa. Depois, mude de mesa. Mais tarde, mude de casa. Você certamente conhecerá coisas melhores e coisas piores do que as já conhecidas, mas não é isso o que importa. O mais importante é a mudança, o movimento, o dinamismo, a energia. Só o que está morto não muda!” diz Clarice. Será que o velho João Luiz conhecia esse texto?
Mas, agora está feito. Deixo para trás, mais uma vez, o já habitual lugar para fumar meu cigarro, os buracos já conhecidos na estrada que, pelos últimos dois anos, me conduzem para casa e também o conhecido teto que presenciou minhas insônias. Morro na sexta-feira para, quem sabe, ressuscitar no domingo, já na casa nova.


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