sábado, 6 de dezembro de 2014

Diga: não, obrigado!

Meu presente no último Natal foi um livro chamado “Cinquenta anos a mil”, biografia do compositor e cantor Lobão. Mais do que contar sua própria história - que de tão fascinante já valeria os 59 reais pagos pelo exemplar de 591 páginas – Lobão faz um belo apanhado da famigerada cena musical dos anos 80, e termina por aportar nos dias atuais. Entretanto, o livro não responde à seguinte pergunta – mesmo porque esse não é seu objetivo: Qual foi o exato momento em que a indústria cultural dominou o jogo na música?
Na década de 80, bandas como Legião Urbana, Titãs, Capital Inicial, Kid Abelha, Plebe Rude, Paralamas do Sucesso, Biquini Cavadão, Engenheiros do Hawai, Barão Vermelho entre outras, e artistas como Lulu Santos, Ritchie, Cazuza, Marina Lima e o próprio Lobão, surgiram no cenário musical brasileiro. Surgiram graças a uma pequena rádio carioca chamada Rádio Fluminense que, na contramão do que se pregava à época (na década de 80 as bandas de rock eram tidas como, necessariamente, burras) passou a tocar as demos dessas bandas. Resultado, esses artistas assinaram contratos com grandes gravadoras e povoavam as emissoras de rádio. Entretanto, por essa época, houve a institucionalização da prática do “jabá” que é, tão somente, o pagamento em dinheiro, ou itens promocionais, em troca da execução das músicas de artistas da gravadora pagante. Ou você, leitor incauto, acha que o fato de grandes rádios brasileiras, e programas de televisão também, executarem, durante a programação de semanas, apenas os mesmos 30 artistas, seja o quê? Falta de uma nova safra de artistas?
Hoje, com a democratização de softwares de edição de som, aliada à baixa nos preços de aparelhos eletrônicos, estúdios caseiros brotam aos borbotões pelo país. Isso, somado ao surgimento a internet como um canal acessível para a divulgação dessa produção, faz dessa nossa década uma das mais privilegiadas no tocante ao surgimento de novos artistas. Porém, na contramão disso, as grandes gravadoras, temendo perder o espaço que ainda detém, investe maciçamente na execução de seu material. Resultado? Sucessos nacionais como Luan Santana e essa onda colorida de Restart, Cine e companhia. Quem se limita às grandes rádios e grandes canais de televisão para se abastecer musicalmente, é obrigado a engolir Fernando e Sorocaba como se isso fosse arte. Como conseqüência disso, surge uma deformação em outros canais, tais como as rádios comunitárias. Elas, que poderiam ser uma espécie de oásis, um reduto nesse deserto de talentos, sentem-se obrigadas a imitar as grandes emissoras, executando as mesmas músicas, com o medo de não serem ouvidas. Onde estão as músicas de Léo Lima nas rádios locais? E as músicas do talentosíssimo Gel Show? Cadê Da Rossi e Da Ruan? Yuri e Nando? E a forte cena roqueira que acontece na cidade? Cadê Kravan? Kanaã? Svart Sigatoka? Serotonina? Cadê?

Vivemos uma das décadas mais produtivas musicalmente, entretanto, sofremos as conseqüências do bombardeio de produtos inventados pela indústria cultural. A continuar assim, ficará impossível resgatar o ouvinte de rádio, pois o consumo da arte requer uma dose de educação e exercício. Diga não a Luan Santana, mas seja educado. Diga: não, obrigado!

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