Diga: não, obrigado!
Meu presente
no último Natal foi um livro chamado “Cinquenta anos a mil”, biografia do
compositor e cantor Lobão. Mais do que contar sua própria história - que de tão
fascinante já valeria os 59 reais pagos pelo exemplar de 591 páginas – Lobão
faz um belo apanhado da famigerada cena musical dos anos 80, e termina por aportar
nos dias atuais. Entretanto, o livro não responde à seguinte pergunta – mesmo
porque esse não é seu objetivo: Qual foi o exato momento em que a indústria
cultural dominou o jogo na música?
Na década de
80, bandas como Legião Urbana, Titãs, Capital Inicial, Kid Abelha, Plebe Rude,
Paralamas do Sucesso, Biquini Cavadão, Engenheiros do Hawai, Barão Vermelho
entre outras, e artistas como Lulu Santos, Ritchie, Cazuza, Marina Lima e o
próprio Lobão, surgiram no cenário musical brasileiro. Surgiram graças a uma
pequena rádio carioca chamada Rádio Fluminense que, na contramão do que se
pregava à época (na década de 80 as bandas de rock eram tidas como,
necessariamente, burras) passou a tocar as demos dessas bandas. Resultado,
esses artistas assinaram contratos com grandes gravadoras e povoavam as
emissoras de rádio. Entretanto, por essa época, houve a institucionalização da
prática do “jabá” que é, tão somente, o pagamento em dinheiro, ou itens promocionais,
em troca da execução das músicas de artistas da gravadora pagante. Ou você,
leitor incauto, acha que o fato de grandes rádios brasileiras, e programas de
televisão também, executarem, durante a programação de semanas, apenas os
mesmos 30 artistas, seja o quê? Falta de uma nova safra de artistas?
Hoje, com a
democratização de softwares de edição de som, aliada à baixa nos preços de
aparelhos eletrônicos, estúdios caseiros brotam aos borbotões pelo país. Isso,
somado ao surgimento a internet como um canal acessível para a divulgação dessa
produção, faz dessa nossa década uma das mais privilegiadas no tocante ao
surgimento de novos artistas. Porém, na contramão disso, as grandes gravadoras,
temendo perder o espaço que ainda detém, investe maciçamente na execução de seu
material. Resultado? Sucessos nacionais como Luan Santana e essa onda colorida
de Restart, Cine e companhia. Quem se limita às grandes rádios e grandes canais
de televisão para se abastecer musicalmente, é obrigado a engolir Fernando e
Sorocaba como se isso fosse arte. Como conseqüência disso, surge uma deformação
em outros canais, tais como as rádios comunitárias. Elas, que poderiam ser uma
espécie de oásis, um reduto nesse deserto de talentos, sentem-se obrigadas a
imitar as grandes emissoras, executando as mesmas músicas, com o medo de não
serem ouvidas. Onde estão as músicas de Léo Lima nas rádios locais? E as
músicas do talentosíssimo Gel Show? Cadê Da Rossi e Da Ruan? Yuri e Nando? E a
forte cena roqueira que acontece na cidade? Cadê Kravan? Kanaã? Svart Sigatoka?
Serotonina? Cadê?
Vivemos uma
das décadas mais produtivas musicalmente, entretanto, sofremos as conseqüências
do bombardeio de produtos inventados pela indústria cultural. A continuar
assim, ficará impossível resgatar o ouvinte de rádio, pois o consumo da arte
requer uma dose de educação e exercício. Diga não a Luan Santana, mas seja
educado. Diga: não, obrigado!
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