sábado, 6 de dezembro de 2014

 Unhate

Dia desses (não, espere um pouco. Não foi dia desses. Na verdade, eu tinha 19 anos) fui visitar um amigo. Eu trajava tênis, calça jeans e uma camiseta branca. Nela, estava estampada a foto de um seminarista e uma noviça se beijando. Pra mim, a imagem remetia à ideia de um amor sublime superando as convenções sociais e, também, uma espécie de denúncia sobre os vários padres celibatários, pero non castos que, convenhamos, ninguém nega que os há. O pai desse amigo era um católico fervoroso. Me lembro de ter discutido com ele sobre tal assunto e, ao final, proibiu que seu filho (de 18 anos) continuasse meu amigo.
Por que eu estou falando isso? Ah, sim, me lembrei. A tal camiseta era de uma marca italiana chamada Benetton. Desde os anos 80, com o fotógrafo Oliviero Toscani, o grupo Benetton usa imagens de impacto em suas campanhas, que vão de temas controversos como a discriminação de portadores do vírus da AIDS e violações de direitos humanos a questões religiosas, passando por usar condenados à pena de morte.
Acontece que uma nova série de peças publicitárias lançadas no início do ano reacendeu o debate sobre os prós e contras das campanhas polêmicas. A tal série mostra, agora, fotomontagens de beijos entre líderes mundiais, como a chanceler alemã Angela Merkel e o presidente francês Nicolas Sarkozy, Barack Obama e Hugo Chavez, entre outros.
Mas é claro que não é só isso. Se fosse, elas seriam apenas piadas gratuitas. Mas não são. As imagens vêm acompanhadas da mensagem “Unhate” (o que eu traduzo, livremente e sem escrúpulos, como “Não ódio”).
Resultado? As imagens foram alvo de críticas.
O Vaticano, por exemplo, criticou a fotomontagem de um beijo entre o papa Bento 16 e o imã sunita egípcio Ahmed el Tayeb como "uma grave falta de respeito com o papa" e "uma ofensa aos sentimentos dos fiéis".
Horas depois do lançamento, a Igreja Católica ameaçou processar a empresa, (agora vem o pior) a Benetton pediu desculpas e retirou a imagem de seu site, onde estava disponível para download.
Quer algo ainda pior?
A Benetton também se autocensurou na escolha dos líderes mundiais que apareceriam se beijando. Os diretores da empresa admitiram que chegaram a considerar usar imagens dos líderes do Paquistão e da Índia, países em conflito há décadas, mas optaram por não fazê-lo para “não ferir as sensibilidades culturais dos consumidores daquela região”.
É claro que esse argumento é uma grande mentira.
A verdade é que a Benetton tem 425 estabelecimentos na Índia e seus planos de expansão para 2011 incluem a abertura de outras 70 lojas.
Em diversas matérias falando sobre o caso, aparecem especialistas de marketing advertindo a Benetton que alguns consumidores católicos e muçulmanos podem rejeitar a marca após a foto do beijo entre o papa e o imã, por exemplo. Claro. Intolerância religiosa pode e uma tentativa, bem humorada, de fazer as pessoas refletirem sobre certas questões não pode?
De um lado, os críticos punindo a janela pela paisagem que ela mostra. Do outro, a claudicante Benetton. Pesado, Ma non troppo.

Confesso. A Benetton me ligou, pedindo licença para usar a minha imagem beijando minha tia Teresa. Eu permiti. Por que? Unhate, Gentlemen! Não ódio, senhores!

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