Unhate
Dia desses (não, espere um pouco. Não foi dia desses. Na verdade, eu
tinha 19 anos) fui visitar um amigo. Eu trajava tênis, calça jeans e uma
camiseta branca. Nela, estava estampada a foto de um seminarista e uma noviça
se beijando. Pra mim, a imagem remetia à ideia de um amor sublime superando as
convenções sociais e, também, uma espécie de denúncia sobre os vários padres
celibatários, pero non castos que,
convenhamos, ninguém nega que os há. O pai desse amigo era um católico
fervoroso. Me lembro de ter discutido com ele sobre tal assunto e, ao final,
proibiu que seu filho (de 18 anos) continuasse meu amigo.
Por que eu estou falando isso? Ah, sim, me lembrei. A tal camiseta era de
uma marca italiana chamada Benetton. Desde os anos 80, com o fotógrafo Oliviero Toscani,
o grupo Benetton usa imagens de impacto em suas campanhas, que vão de temas
controversos como a discriminação de portadores do vírus da AIDS e violações de
direitos humanos a questões religiosas, passando por usar condenados à pena de
morte.
Acontece que uma nova série de peças publicitárias lançadas no início do
ano reacendeu o debate sobre os prós e contras das campanhas polêmicas. A tal
série mostra, agora, fotomontagens de beijos entre líderes mundiais, como a chanceler
alemã Angela Merkel e o presidente francês Nicolas Sarkozy, Barack Obama e Hugo
Chavez, entre outros.
Mas é claro
que não é só isso. Se fosse, elas seriam apenas piadas gratuitas. Mas não são. As
imagens vêm acompanhadas da mensagem “Unhate” (o que eu traduzo, livremente e
sem escrúpulos, como “Não ódio”).
Resultado? As
imagens foram alvo de críticas.
O Vaticano, por
exemplo, criticou a fotomontagem de um beijo entre o papa Bento 16 e o imã
sunita egípcio Ahmed el Tayeb como "uma grave falta de respeito com o
papa" e "uma ofensa aos sentimentos dos fiéis".
Horas depois
do lançamento, a Igreja Católica ameaçou processar a empresa, (agora vem o
pior) a Benetton pediu desculpas e retirou a imagem de seu site, onde estava disponível
para download.
Quer algo
ainda pior?
A Benetton também
se autocensurou na escolha dos líderes mundiais que apareceriam se beijando. Os
diretores da empresa admitiram que chegaram a considerar usar imagens dos
líderes do Paquistão e da Índia, países em conflito há décadas, mas optaram por
não fazê-lo para “não ferir as sensibilidades culturais dos consumidores
daquela região”.
É claro que
esse argumento é uma grande mentira.
A verdade é
que a Benetton tem 425 estabelecimentos na Índia e seus planos de expansão para
2011 incluem a abertura de outras 70 lojas.
Em diversas
matérias falando sobre o caso, aparecem especialistas de marketing advertindo a
Benetton que alguns consumidores católicos e muçulmanos podem rejeitar a marca
após a foto do beijo entre o papa e o imã, por exemplo. Claro. Intolerância
religiosa pode e uma tentativa, bem humorada, de fazer as pessoas refletirem
sobre certas questões não pode?
De um lado,
os críticos punindo a janela pela paisagem que ela mostra. Do outro, a claudicante
Benetton. Pesado, Ma non troppo.
Confesso. A
Benetton me ligou, pedindo licença para usar a minha imagem beijando minha tia
Teresa. Eu permiti. Por que? Unhate, Gentlemen! Não ódio,
senhores!
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