sábado, 6 de dezembro de 2014

Cada povo tem o Tiririca que merece

O comediante Tiririca foi eleito deputado federal pelo estado de São Paulo. Mais que isso. Foi o mais votado. Mais ainda. Foi o candidato a deputado que mais conquistou votos em todo o país. Como se não bastasse, faltou a ele apenas 200 mil votos para entrar para a história como o deputado mais votado da história. Você teve acesso a alguns vídeos de sua campanha eleitoral? Foi muito mais engraçado do que vê-lo cantando a irritante e monocórdia “Florentina, Florentina”. Alguns de seus lemas, apesar de hilários, são francamente verossímeis. Cito alguns: “Vote em Tiririca. Pior do que ta, não fica”. Outro: "O que faz um deputado federal? Eu não sei, mas vote em mim que eu te conto." Me lembro dos comentários à época de sua eleição, criticando os eleitores paulistanos por terem elegido Tiririca. Acontece que temos “Tiriricas” eleitos em, praticamente, todas as cidades brasileiras, nos poderes legislativo e executivo. Duvidam? Acontece que a gente só não se dá conta disso porque, diferente do humorista cearense, os nossos não usam fantasias. Quer ver?
O vereador Roberto Hinça, do PDT, apresentou proposta que proibia a cobrança do envio de boleto bancário ou carnê ao consumidor. A matéria chegou a ser aprovada em plenário, mas, claro, foi vetada pelo prefeito, porque o vereador não sabia que legislar sobre o Código do Consumidor é competência da União, daí a inconstitucionalidade.
Na verdade, o número de projetos inconstitucionais que estão em trâmite na Câmara de Vereadores de Curitiba é um colosso. O aparente 'desconhecimento' dos políticos na proposição das leis tem sido cada vez mais comum e isso prejudica o andamento de projetos relevantes na Câmara, além de consumir dinheiro público.
Mas, acontece que, além do óbvio desconhecimento, existem outras razões para essa lambança. Segundo o professor de Ciências Políticas da UFPR, Fabrício Tomio, a apresentação de proposições inconstitucionais pode estar relacionada a algum interesse político eleitoral dos parlamentares. “Talvez para aumentar a visibilidade sobre seu mandato, políticos abordam temas polêmicos ou defendem projetos que não fazem parte das competências legislativas da Câmara Municipal”, afirma Tomio. Acho que essa prática é ainda pior que o desconhecimento. Afinal, se pode aprender o que não se sabe. Já esse tipo de malandragem é muito mais difícil de se erradicar.
Na verdade, quando um projeto inconstitucional é aprovado, ou mesmo que somente posto em votação, não é responsabilidade exclusiva do vereador proponente, mas também dos outros vereadores. Afinal, o controle de constitucionalidade dos projetos que tramitam na Câmara de Vereadores depende do que determina o regimento interno do legislativo. Existem vereadores membros da Comissão de Constituição e Justiça que podem rejeitar o projeto, arquivando-o. A comissão é, teoricamente, assessorada por pessoal técnico qualificado que opina sobre a admissibilidade da proposta parlamentar.
Tiririca precisou ser eleito para descobrir o que fazia um deputado federal. Muitos vereadores de Curitiba, mesmo eleitos, continuam não sabendo o que faz um vereador.

Estatísticas
Outra questão que põe em dúvida a eficiência da Câmara de Vereadores de Curitiba é a baixa relevância de temas nos projetos de leis (PL) apresentados. Segundo dados obtidos pelo jornal Gazeta do Povo, mais da metade dos PL apresentados na Câmara diz respeito a nomeações públicas.
Dos 322 projetos apresentados até 31 de agosto, 106 (32,9%) eram sugestões de denominação ou alteração de denominação de bem público. Declarações de utilidade pública somaram 54 proposições (16,7%), enquanto títulos de cidadão honorário e de vulto emérito resultaram em 15 propostas (4,6%).
Entre os projetos que viraram lei, a proporção é ainda maior: das 204 propostas promulgadas (incluídas as apresentadas em anos anteriores e votadas em 2009), 149 (73,4%) tratam de temas de baixa relevância.


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