sábado, 6 de dezembro de 2014

Ressuscitem os Rábulas

Quem leu algum jornal no último dia 18 de junho deve ter se deparado com algum jornalista criticando a decisão do Supremo Tribunal Federal em extinguir a obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão de jornalista. Desde então, minha principal diversão é colecionar artigos que tratem desse assunto. Se você encontrou algum, pode enviar para o meu email: <abaixo_à_obrigatoriedade@podecrer. é isso aí, sacou?. com. br>.
Já cataloguei várias pérolas. Vamos a elas.
Sônia Pillon, por exemplo, publicou um artigo no jornal Hoje, de Jaraguá do Sul, na edição do dia 18 de junho, dizendo o seguinte: “Você contrataria um exímio açougueiro para fazer uma cirurgia no lugar do veterinário? Como admitir que uma atividade que exige, não somente conhecimento, mas também ética e comprometimento social, possa ser exercida por alguém sem formação?”. Já Moacir Pereira, do Jornal de Santa Catarina, de Blumenau, foi mais fundo. Ele disse: “Qualquer um pode ser jornalista? Então, ressuscitem os rábulas, os curandeiros e os práticos da odontologia.”
A gaúcha Sônia Pillon, além de ver semelhança entre jornalistas sem diploma e exímios açougueiros, se arrisca na literatura. Em 2007, alguns de seus textos integraram a coletânea “Jaraguá em Crônicas”. No conto chamado “O Sonho do Jornalista Sessentão”, ela diz: “Não quero mais saber de escrever com tema definido, hora marcada, texto engessado, milimetrado, com regras absolutistas que não podem ser questionadas!” E chega ao ápice de seu lirismo kitsch e seu sentimentalismo ginasiano com a seguinte frase: “Quero a liberdade para redescobrir o lirismo de minha escrita, voar nas asas da imaginação e me embriagar de emoção!” Sônia diz não admitir que o jornalismo seja exercido por alguém sem formação. Eu digo que não deveria ser admitido que textos como o de Sônia -“voar nas asas da imaginação e me embriagar de emoção”- sejam chamados de literatura.
Os jornalistas sempre estiveram associados a posturas revolucionárias. Bastou que eles sentissem que a sua reserva de mercado estava sendo ameaçada para que revelassem suas facetas mais reacionárias. Sônia perguntou e eu respondo: Não. Ninguém iria contratar um exímio açougueiro para fazer uma cirurgia no lugar de um veterinário. Nem mesmo se fosse extinta a obrigatoriedade do diploma para veterinários. E assim vai ser em relação aos jornalistas e a todas as outras profissões. O mercado é “meritocrata”, e não "diplomata” (com o perdão do trocadilho). Eu garanto que Sônia Pillon nunca venderá livros como Simone de Beauvoir, sua autora preferida, nem mesmo se tivesse Pós-Phd (com o perdão do neologismo) em literatura. Por quê? Porque um diploma, em algumas profissões, não é garantia de “ética e comprometimento social”, como acredita Sônia, nem é garantia de coisa alguma, acredito eu. Há médicos que esquecem tesouras e outros objetos em seus pacientes. Há advogados que roubam seus clientes. Há engenheiros como Sérgio Naia. Sônia Pillon não vai vender como Simone de Beauvoir por uma única razão: sua literatura é ruim. É uma poltronice intelectual achar que a não obrigatoriedade de diploma vá mudar alguma coisa. Os ruins irão permanecer dentro e fora. Com ou sem diploma. Em qualquer profissão. O mercado há de regular isso e não uma lei.

O Ministro Gilmar Mendes deve ter lido o artigo de Moacir Pereira e, seguindo seu conselho, disse que o próximo passo é, justamente, “ressuscitar os rábulas”. Concordo. Afinal, ninguém precisa dos contos de Sônia Pillon. E ninguém precisa, também, de advogados.

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