Sem o auxílio
das rodinhas
Explicações
sobre a queda do Airbus? Novo IPhone irá chegar ao Brasil? Pane no Twitter?
Nada disso me interessa. Pelo menos não essa semana, em que o meu filho
aprendeu a andar de bicicleta sem o auxílio das rodinhas. Pelos próximos dois
meses, só esse assunto me interessa. À hora do café da manhã, nada de ouvir o
Tim Francisco. Ficamos, eu e minha esposa, ponderando sobre esse feito
memorável. À hora do almoço, nada de Luiz Carlos Prates. Ficamos especulando
sobre as teorias de Vygotsky. Os efeitos da paternidade são mesmo devastadores.
Nesse feriado de Corpus Christi, por exemplo, me
sujeitei a assistir vários clássicos do cinema. Anotem aí: “Mee Shee – O
Gigante das Águas”, “Cinco Criaturas e a Coisa” e os inesquecíveis “Horton e o
Mundo dos Quem” e “Wall-E”. Desde que meu filho nasceu, o filme é o filme dele,
o restaurante é ele quem escolhe. “De
maneira geral, a paternidade teve esse efeito sobre mim: ela me apequenou e me
embruteceu. Meu filho ocupou a minha mente como Antônio Conselheiro ocupou
Canudos, impondo suas idéias primitivas e suas práticas regressivas. Questões
que pareciam definitivamente superadas voltaram a me atazanar. Antes de ter
filho, eu abria um livro e indagava sobre Santo Agostinho” diz Diogo Mainardi e eu reitero. Agora, eu
ligo a televisão e indago: “O Picachu é a evolução de qual Pokémon?”
Dia desses, uma
pessoa me pediu uma dica de livro. Tentei buscar algum nome na memória e só o
que me vinha, e de forma confusa, eram algumas sílabas desconexas. Comecei,
então, a balbuciar coisas ininteligíveis, tais como Blaubert (querendo dizer
Flaubert). Diante da impaciência do meu interlocutor, disparei algo que estava
mais claro e presente em minha mente: “Quem tem medo de Bruxa?”. Senti um olhar
desconfiado dele. Depois, tentando dar sentido à conversa, ele ainda tentou: “Esse
livro fala de esoterismo? Quem é o autor, Aleister Crowley?” Arranjei uma
desculpa e me livrei dele, antes que eu tivesse que confessar que se tratava de
um livro da coleção infantil: “Quem tem medo?” de autoria de Fanny Joly.
Pior foi quando uma outra pessoa me perguntou se eu havia lido “A Terceira
Onda” de ... Antes que ele citasse o nome do autor, me apressei e fui logo
dizendo que adorei aquela parte em que o ratinho surfista havia viajado para o Hawaii
escondido nas malas da princesa. Dessa vez, não tive como fugir e fui obrigado
a confessar que havia confundido “A Terceira Onda” de “Alvin Tofller”, com
“Maria Foller” autora de “O Ratinho na crista da Onda”.
Eu sempre repeti
as palavras de Machado de Assis em relação ao fato de ter filhos: “Não vou
transmitir a ninguém o legado da minha miséria.” Agora está feito. Agora não há
volta. Agora, sou o miserável, com lágrimas nos olhos, a comemorar um dos
feitos mais grandiosos da humanidade, desde a chegada do homem à lua: Meu filho
andando de bicicleta sem o auxílio das rodinhas.
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