Não se morre mais como antigamente
Definitivamente,
não se morre mais como antigamente. Quando eu tinha uns 9 ou 10 anos, me lembro
bem de um velório que eu participei. O pai de um amigo havia falecido. A
família retirou o Anselmo do hospital, trouxe para casa e chamou o padre para a
extrema-unção. Os amigos vinham e acendiam velas pelo quarto (segundo eles,
para iluminar o caminho do moribundo pela longa caminhada até o céu). Depois da
morte, a família cobriu os espelhos da casa, acomodou o falecido no centro da
sala, e deu início ao velório que durou 3 dias, que era pra dar tempo dos
parentes distantes chegarem para um último adeus. Todos participavam, inclusive
as crianças. Inclusive eu. Quando eu perguntei à viúva o que estava
acontecendo, ela, triste e serenamente, me disse que o marido havia falecido e
que, portanto, o Anselmo nunca mais iria me ajudar a pegar mangas em uma imensa
mangueira que havia no terreno onde ele morava. Tudo muito natural. Sem nenhum
pudor. A morte não era um tabu.
Entretanto,
tabus existiam, mas em outros assuntos. Me lembro da Dona Zica, a viúva do
Anselmo, ruborizando quando, certa vez, eu lhe perguntei como os bebês nasciam.
Ela sapecou uma daquelas velhas histórias sobre cegonhas e coisas do gênero.
Hoje, o tabu se inverteu. Para a criança, mesmo na mais tenra idade, os pais
explicam, pormenorizadamente, como se dá a concepção. E usam termos próprios
para isso, tais como pênis, vagina e ejaculação. Tudo muito natural, como
natural é a concepção. Sem pudores ou tabus. Porém, hoje, quando o assunto é
morte, sequer esse termo, morte, é aceito naturalmente. Houve uma transposição
de tabu. Hoje, quando um neto pergunta sobre o avô falecido, dizem-lhe que “o
vovô foi viajar para bem longe”.
Evidentemente
que, em relação ao sexo, ainda existem pessoas que não lhe confiram a
naturalidade que ele requer.
Está circulando
em Corupá, e por todo o nosso estado, um leque confeccionado pela Secretaria
Estadual de Saúde. Um primor de campanha educativa. Um tom leve e natural, bem
próprio ao tema que aborda, isto é, o sexo. Nele, há estampadas figuras de duas
camisinhas, metamorfoseadas de humanos, um homem e uma mulher, exibindo
flexibilidade e criatividade nas posições sexuais. No centro do leque, o slogan
da campanha: “Coloque a proteção antes do prazer”. Ouvi, de algumas beatas
escandalizadas, críticas, notadamente, moralistas, contra a campanha. “Imaginem
se as crianças virem isso?” – bradam as carolas. No verso da peça publicitária,
há um texto explicando as formas de contágio da Aids, de uma maneira bem
didática: assim pega, assim não pega.
Agora, é minha
vez de me escandalizar: “Imaginem se as crianças não virem isso?”.
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