sábado, 6 de dezembro de 2014

“Os bons morrem jovens.” 

Quase todos os norte-americanos, com mais de cinqüenta anos, se lembram, com exatidão, onde se encontravam, a que horas e em quais situações, quando receberam a notícia do assassinato do presidente John Kennedy. Assim como a maioria dos italianos, com mais de 33 anos, também se recorda, com riqueza de detalhes, onde estava quando o goleiro Dino Zoffi defendeu a bola cabeceada pelo zagueiro da seleção brasileira, Oscar, no último minuto do jogo válido pela Copa do Mundo de 1982. E também muitos brasileiros sabem dizer onde estavam no dia 1º de maio de 1994, quando morreu o piloto Airton Senna. Quanto a mim, você pode me perguntar o que quiser em relação a como estava o mundo naquela distante segunda-feira, dia 21 de agosto, do ano de 1989, às 14 horas e 12 minutos.
Tudo começou com aquela horripilante vinheta do Plantão da Globo. Eu havia me mudado, há pouco, de Londrina para a cidade de Palotina, oeste do Paraná, e contava com 13 anos. Cursava a 7ª série do extinto primeiro grau. Cheguei da escola por volta das 12h30. Havia feito uma prova de matemática e minha sensação era de que não havido ido bem. Almocei arroz, feijão, e fígado de boi frito. Nunca gostei de fígado de boi, mas, minha mãe, de tempos em tempos, inventava uma nova dieta para a família. A pior de todas foi a dieta à base de Tofu (outro dia eu conto essa história com mais detalhes). Depois do almoço, fui ajudar minha mãe na horta que ela havia cultivado. Éramos novos na cidade e uma das únicas diversões era passar horas na companhia de rabanetes e acelgas. Às 14 horas em ponto, minha mãe pediu que eu me lavasse e sentasse no sofá da sala, pois ela iria trazer um bolo que havia feito. Obedeci, me lavei, sentei no sofá e liguei a televisão. Ela trouxe o bolo. Tinha até um nome pomposo: “Almofadas Francesas”. Ela dizia ter visto a receita na televisão. Mas, das duas uma: ou ela usou as espumas das nossas próprias almofadas na confecção do bolo, ou errou os ingredientes ao copiar a receita. Enquanto eu pensava em uma maneira educada para dizer que o bolo estava intragável, a televisão foi invadida por aqueles microfones voadores, girando ao som daquela vinhetinha macabra. A repórter Ilze Scamparini, visivelmente abatida, disparou a notícia: “Morreu nessa manhã, na cidade de São Paulo, o cantor e compositor Raul Seixas.” Além de ter sido uma ótima desculpa para eu ter largado o bolo após uma única mordida, aquelas palavras calaram fundo em mim. Corri pro meu quarto, vasculhei a minha coleção completa de LP’s de Raul Seixas e coloquei para tocar a música: “Areia da Ampulheta”, última faixa do lado b, do álbum “A Pedra do Gênesis”, lançado em 1988, pela Copacabana, último disco solo de Raul. Lá pelas tantas, o Maluco Beleza diz: “Eu sou a areia da ampulheta/ O ignorante cultivado/ O cão raivoso inconsciente/ O boi diário servido em pratos/ Cachaceiro mal-amado/O triste-alegre adestrado/ Eu sou a areia da ampulheta/Mas o que carrega a sua bandeira/ De todo o lugar o mais desonrado/ Nascido no lugar errado/Eu sou, eu sou você.”
No dia 11 de maio de 1988, uma quarta-feira, eu e meu pai tínhamos ido a um show de Raul, no ginásio do Moringão, em Londrina. Ele havia acabado de lançar o seu último disco, “A Panela do Diabo”, em parceria com Marcelo Nova, da banda Camisa de Vênus. Raul mal conseguia se manter em pé no palco. As canções eram quase balbuciadas. Não fosse a ajuda do Marcelo, não teria como distinguir uma música da outra. Eu era um menino de 12 anos, deslumbrando e confuso com aquela gente estranha que vibrava e aplaudia cada gesto e cada palavra de um cantor desafinado. Mal sabia eu que os fãs já pressentiam que aquela seria a última vez que veriam o Gênio em ação.

Renato Russo, da Legião Urbana, disse: “Os bons morrem jovens.” 

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