“Os bons morrem jovens.”
Quase todos os
norte-americanos, com mais de cinqüenta anos, se lembram, com exatidão, onde se
encontravam, a que horas e em quais situações, quando receberam a notícia do
assassinato do presidente John Kennedy. Assim como a maioria dos
italianos, com mais de 33 anos, também se recorda, com riqueza de detalhes,
onde estava quando o goleiro Dino Zoffi defendeu a bola cabeceada pelo zagueiro
da seleção brasileira, Oscar, no último minuto do jogo válido pela Copa do
Mundo de 1982. E também muitos brasileiros sabem dizer onde estavam no dia 1º
de maio de 1994, quando morreu o piloto Airton Senna. Quanto a mim, você pode
me perguntar o que quiser em relação a como estava o mundo naquela distante
segunda-feira, dia 21 de agosto, do ano de 1989, às 14 horas e 12 minutos.
Tudo
começou com aquela horripilante vinheta do Plantão da Globo. Eu havia me mudado,
há pouco, de Londrina para a cidade de Palotina, oeste do Paraná, e contava com
13 anos. Cursava a 7ª série do extinto primeiro grau. Cheguei da escola por
volta das 12h30. Havia feito uma prova de matemática e minha sensação era de
que não havido ido bem. Almocei arroz, feijão, e fígado de boi frito. Nunca
gostei de fígado de boi, mas, minha mãe, de tempos em tempos, inventava uma
nova dieta para a família. A pior de todas foi a dieta à base de Tofu (outro
dia eu conto essa história com mais detalhes). Depois do almoço, fui ajudar
minha mãe na horta que ela havia cultivado. Éramos novos na cidade e uma das
únicas diversões era passar horas na companhia de rabanetes e acelgas. Às 14
horas em ponto, minha mãe pediu que eu me lavasse e sentasse no sofá da sala,
pois ela iria trazer um bolo que havia feito. Obedeci, me lavei, sentei no sofá
e liguei a televisão. Ela trouxe o bolo. Tinha até um nome pomposo: “Almofadas
Francesas”. Ela dizia ter visto a receita na televisão. Mas, das duas uma: ou
ela usou as espumas das nossas próprias almofadas na confecção do bolo, ou errou
os ingredientes ao copiar a receita. Enquanto eu pensava em uma maneira educada
para dizer que o bolo estava intragável, a televisão foi invadida por aqueles
microfones voadores, girando ao som daquela vinhetinha macabra. A repórter Ilze
Scamparini, visivelmente abatida, disparou a notícia: “Morreu nessa manhã, na
cidade de São Paulo, o cantor e compositor Raul Seixas.” Além de ter sido uma
ótima desculpa para eu ter largado o bolo após uma única mordida, aquelas
palavras calaram fundo em mim. Corri pro meu quarto, vasculhei a minha coleção
completa de LP’s de Raul Seixas e coloquei para tocar a música: “Areia da
Ampulheta”, última faixa do lado b, do álbum “A Pedra do Gênesis”, lançado em
1988, pela Copacabana, último disco solo de Raul. Lá pelas tantas, o Maluco
Beleza diz: “Eu sou a areia da ampulheta/ O ignorante
cultivado/ O cão raivoso inconsciente/ O boi diário servido em pratos/ Cachaceiro
mal-amado/O triste-alegre adestrado/ Eu sou a areia da ampulheta/Mas o que
carrega a sua bandeira/ De todo o lugar o mais desonrado/ Nascido no lugar
errado/Eu sou, eu sou você.”
No dia 11 de
maio de 1988, uma quarta-feira, eu e meu pai tínhamos ido a um show de Raul, no
ginásio do Moringão, em Londrina. Ele havia acabado de lançar o seu último
disco, “A Panela do Diabo”, em parceria com Marcelo Nova, da banda Camisa de
Vênus. Raul mal conseguia se manter em pé no palco. As canções eram quase
balbuciadas. Não fosse a ajuda do Marcelo, não teria como distinguir uma música
da outra. Eu era um menino de 12 anos, deslumbrando e confuso com aquela gente
estranha que vibrava e aplaudia cada gesto e cada palavra de um cantor
desafinado. Mal sabia eu que os fãs já pressentiam que aquela seria a última
vez que veriam o Gênio em ação.
Renato Russo, da
Legião Urbana, disse: “Os bons morrem jovens.”
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