O Gavião Xamânico
Hoje é Dia dos Mortos.
(Pera lá. Enlouqueceu o Benedito? Dia dos mortos não é 2 de novembro?). Calma
lá, seu Lorimar Cristóvão Costa. Calma lá. Hoje é o meu dia dos mortos. 21 de
agosto. Dia dos mortos. 1989 menos 2010 é igual a 21. 21 anos da morte de Raul
Seixas. Exatamente hoje. E, também, exatos 49 dias da morte de um dos maiores
poetas de língua portuguesa: Roberto Piva. E mais Balduíno de Bourcq, rei de
Jerusalém. Mas, desse último, esqueçamos. Foi só uma informação inútil. Afinal,
o único feito desse sujeito foi ter se vingado dos Seljúcidas,
na batalha de Azaz, e ter feito 4 filhas em Morfia de Melitene. Esqueçamo-lo, pois.
Voltemos aos primeiros mortos.
Dia desses, aqui
na coluna, eu dei a notícia do internamento de Piva, num texto intitulado “O
Xamã Agonizante”. Pois então. O Gavião Xamânico realizou seu último voo. Quando
perguntado sobre o que lhe faltava experimentar, Piva foi lacônico e categórico:
A morte! Pena que essa experiência não poderá ser relatada em versos pelo
próprio Piva. Talvez ela ficasse mais interessante.
O poeta Roberto Piva
morreu no último dia 3 de julho, em São Paulo, aos 72 anos. Ele estava
internado no Incor (Instituto do Coraçao) desde o dia 13 de maio. A causa da
morte foi falência múltipla dos órgãos, em decorrência de uma insuficiência
renal. O velório foi realizado no Cemitério do Araçá e o corpo foi cremado no
crematório da Vila Alpina. O Araçá de Caetano Veloso (esse ainda não morreu,
não confundamos os mortos) era azul. Agora, com as cinzas de Piva, por certo
ficará quase um espectro psicodélico.
Piva nasceu em
São Paulo, e, aos 22 anos já era poeta reconhecido. Foi descoberto pelo editor
Massao Ohno, e aos 23 publicou sua obra-prima, Paranóia, de 1963. O livro se esgotou em duas
semanas e hoje é artigo de luxo entre colecionadores. Depois disso, a obra Piazzas,
de 1980, confirmou seu talento. Quem perdeu aquela edição, hoje pode encontrar
esse e outros livros do poeta em uma compilação da editora Globo de três
volumes. O último deles, Estranhos Sinais de Saturno, foi lançado em
2008. Piva tinha a alma inquieta. Nadou incansavelmente contra a corrente e por
isso é o principal nome - junto com seu parceiro e amigo Cláudio Willer - da
poesia marginal. Para sobreviver, ele deu aulas de filosofia e produziu shows
de rock. Para morrer, viveu uma vida de excessos. Uma vida “Dionisíaca”, diria o
Piva.
Já Raul foi mais
cedo, aos 44 anos. Bem perto de Elvis, que se foi aos 42. Em comum, o excesso.
Excesso de tudo. E, até, de vida, embora isso soe como um paradoxo.
Renato Russo
(esse sim, já morreu), diz, na canção intitulada “Love in the afternoon” (“amor
à tarde”, numa tradução livre, marota e minha) “ ... É tão estranho, os bons
morrem jovens ...”.
Tudo bem, tudo
bem, Piva tinha 72 anos, mas ... Olhem bem, aquele ali, perdido por entre a
vegetação da Serra da Cantareira, descalço, olhando, boquiaberto, o céu
desmanchar. Quem é aquela criança? E lá se vai, batendo as asas para seu último
voo, o menino Piva, o Gavião Xamânico Roberto.
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