sábado, 6 de dezembro de 2014

O Gavião Xamânico

Hoje é Dia dos Mortos. (Pera lá. Enlouqueceu o Benedito? Dia dos mortos não é 2 de novembro?). Calma lá, seu Lorimar Cristóvão Costa. Calma lá. Hoje é o meu dia dos mortos. 21 de agosto. Dia dos mortos. 1989 menos 2010 é igual a 21. 21 anos da morte de Raul Seixas. Exatamente hoje. E, também, exatos 49 dias da morte de um dos maiores poetas de língua portuguesa: Roberto Piva. E mais Balduíno de Bourcq, rei de Jerusalém. Mas, desse último, esqueçamos. Foi só uma informação inútil. Afinal, o único feito desse sujeito foi ter se vingado dos Seljúcidas, na batalha de Azaz, e ter feito 4 filhas em Morfia de Melitene. Esqueçamo-lo, pois. Voltemos aos primeiros mortos.
Dia desses, aqui na coluna, eu dei a notícia do internamento de Piva, num texto intitulado “O Xamã Agonizante”. Pois então. O Gavião Xamânico realizou seu último voo. Quando perguntado sobre o que lhe faltava experimentar, Piva foi lacônico e categórico: A morte! Pena que essa experiência não poderá ser relatada em versos pelo próprio Piva. Talvez ela ficasse mais interessante.
O poeta Roberto Piva morreu no último dia 3 de julho, em São Paulo, aos 72 anos. Ele estava internado no Incor (Instituto do Coraçao) desde o dia 13 de maio. A causa da morte foi falência múltipla dos órgãos, em decorrência de uma insuficiência renal. O velório foi realizado no Cemitério do Araçá e o corpo foi cremado no crematório da Vila Alpina. O Araçá de Caetano Veloso (esse ainda não morreu, não confundamos os mortos) era azul. Agora, com as cinzas de Piva, por certo ficará quase um espectro psicodélico.
Piva nasceu em São Paulo, e, aos 22 anos já era poeta reconhecido. Foi descoberto pelo editor Massao Ohno, e aos 23 publicou sua obra-prima, Paranóia, de 1963. O livro se esgotou em duas semanas e hoje é artigo de luxo entre colecionadores. Depois disso, a obra Piazzas, de 1980, confirmou seu talento. Quem perdeu aquela edição, hoje pode encontrar esse e outros livros do poeta em uma compilação da editora Globo de três volumes. O último deles, Estranhos Sinais de Saturno, foi lançado em 2008. Piva tinha a alma inquieta. Nadou incansavelmente contra a corrente e por isso é o principal nome - junto com seu parceiro e amigo Cláudio Willer - da poesia marginal. Para sobreviver, ele deu aulas de filosofia e produziu shows de rock. Para morrer, viveu uma vida de excessos. Uma vida “Dionisíaca”, diria o Piva.
Já Raul foi mais cedo, aos 44 anos. Bem perto de Elvis, que se foi aos 42. Em comum, o excesso. Excesso de tudo. E, até, de vida, embora isso soe como um paradoxo.
Renato Russo (esse sim, já morreu), diz, na canção intitulada “Love in the afternoon” (“amor à tarde”, numa tradução livre, marota e minha) “ ... É tão estranho, os bons morrem jovens ...”.
Tudo bem, tudo bem, Piva tinha 72 anos, mas ... Olhem bem, aquele ali, perdido por entre a vegetação da Serra da Cantareira, descalço, olhando, boquiaberto, o céu desmanchar. Quem é aquela criança? E lá se vai, batendo as asas para seu último voo, o menino Piva, o Gavião Xamânico Roberto.


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